domingo, 28 de fevereiro de 2010

SUSTENTABILIDADE

Trechos da entrevista que Luc Vankrunkelsven concedeu IHU On-Line


Luc Vankrunkelsven concedeu a entrevista que segue à IHU On-Line, por e-mail, sobre o consumo de carne no mundo e a sua relação com os problemas ambientais. Segundo ele, este problema é globalizado e o aumento do consumo de carne está diretamente relacionado ao poder aquisitivo das pessoas.

Luc revela ainda que o problema em relação ao consumo de carne vai além da cultura do gado, frango ou porco. A partir do surgimento da “aquacultura”, os peixes também passaram a comer ração composta por milho, farelo de soja e farelo de peixe. Produzidos a l quilômetros de distância. E isso está aumentando drasticamente o problema ambiental no mundo.

Luc Vankrunkelsven é filósofo e teólogo. Viveu na rua, entre os pobres de Antuérpia, de 1981 e 1983. Em 1990, fundou um grupo de trabalho para uma agricultura justa e sustentável. Desde 2003 vive e trabalha no Brasil e na Europa. É consultor independente da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil, atuando diretamente na formação de lideranças populares, com especialidade na questão da soja e capazes de atuar junto à Organização Mundial do Comércio – OMC.

Confira a entrevista

IHU On-Line – Onde o problema da carne no mundo se concentra e traz maiores consequências?

Luc Vankrunkelsven – O problema é globalizado. Para mim, a “soja” é uma metáfora da globalização, mas podemos falar também, por exemplo, do frango. Todas as partes do frango são usadas e vão a todos os cantos do mundo. Os Europeus comem o peito do frango e exportam parcelas com menor valor, por exemplo, para Senegal. Lá, na cultura deles, a posição da mulher era/é vinculada à produção do frango caipira. Nas festas, as mulheres vendem os frangos e isso é muito importante nesta cultura, mas agora esta carne é mais barata e é impossível para a economia local concorrer com este mercado.

A história da carne tem relação também com a história da ração animal. Desde os anos 1950, se produz 39 milhões de toneladas de soja no mundo. Deste total, 20 toneladas são produzidas no Brasil. Nos últimos anos, a China importa ainda mais soja do que a Europa.

IHU On-Line – Só o fato de diminuirmos a quantidade de carne em nossos pratos vai trazer que tipo de mudanças para o clima do planeta?

Luc Vankrunkelsven – Comer carne é um símbolo de riqueza. Quando um país tem mais poder econômico, o povo vai comer mais carne.
Comer (muita) carne é um símbolo de prosperidade. Depois da II Guerra Mundial, os europeus do Oeste começaram a comer mais carne (e usar mais produtos derivados do leite). Depois da queda do muro de Berlim, o que fizeram os povos da Europa do Leste? Começaram a comer mais carne e queijo também! E agora, o que faz a Ásia? Comem mais carne. Vinte anos atrás, o consumidor na China comia 20 quilos de carne por ano. Agora é 38 quilos de carne por ano e isso vem crescendo.

O problema planetário é que a população mundial dobrou nos últimos 50 anos e o consumo de carne e peixe quintuplicou e vai dobrar de novo em 20 anos. Para este consumo precisamos de dois ou três planetas Terra, mas temos só um. E se queremos proteger ainda os ecossistemas no mundo, precisamos repensar nossos processos.
A produção de carne é uma questão de terra, água e muita energia e também de mudanças de clima. Com o desmatamento da Amazônia, muito carbono vai para ar. Também os fertilizantes e as máquinas exigem muita energia/carbono. Há fogos e desmatamento para produção da soja e da cana de açúcar, mas agora a Amazônia ainda sofre as consequências da presença do gado. Há mais bois no Brasil do que brasileiros! E pode-se dizer que o efeito climático do metano de um boi é comparável com um carro pequeno. O efeito do metano para o aquecimento do mundo é 23 vezes mais forte do que o carbono… Sim, diminuir a carne no nosso prato é muito efetivo. O trânsito no mundo tem 14 % de responsabilidade nas mudanças do clima, mas a produção de carne até 18 %.

IHU On-Line – Cada vez mais investidores estrangeiros buscam comprar terras no Brasil. Porque as terras do país são tão procuradas por empresários não brasileiros? Quais as diferenças entre o Brasil e outros países em relação ao agronegócio?

Luc Vankrunkelsven – Já desde os anos 1960, empresas e pessoas privadas compraram muitas terras no Brasil. Mas, sim, nos últimos anos isso vem crescendo. Acho que há dois fatores importantes: “o rei carro e o imperador presunto”. Existe uma demanda nos Estudos Unidos e na Europa para o combustível “verde”. O carro-chefe do programa biodiesel do governo Lula está relacionado à produção de combustível a partir da soja. Agora no grão da soja encontram-se os dois símbolos da sociedade capitalista, agora globalizada: o carro individual e um consumo alto de carne.

Os chineses compõem 20% da população do mundo, mas têm apenas 6% da terra arável e 6% da água doce. Os brasileiros têm tudo: muitas terras, muita água (cerca de 20% da água do mundo ou mais). Os indianos começam a entrar no paraíso do Mc’Donalds. Eles eram, desde muitos séculos atrás, vegetarianos, mas agora muitos deles começam a comer carne. E, em 20 anos, haverá mais indianos que chineses. Pense que os indianos têm ainda menos terra e água por pessoa do que os chineses. Então, quando estes povos mudam o hábito de comer, sentimos isso no mundo inteiro, sobretudo no Brasil, porque o país tem muita terra e água. Quando você consome carne, precisa de muito mais terra e água do que quando consome verduras, grãos, frutas, nozes, etc. Com o boom econômico da China, agora eles têm muito dinheiro para, por exemplo, comprar terras. Eles compram no Brasil e na África e muito barato!

IHU On-Line – A concentração de rebanhos pode levar ao surgimento de novas pandemias? Podemos prever quais poderiam ser essas pandemias?

Luc Vankrunkelsven – Eu não sou um profeta do futuro, mas posso dizer que muitas doenças estão ligadas à produção (industrial) de carne e à globalização. Existem estas gripes aviária, suína… Não vão parar de surgir, mas sim vão se multiplicar. Há uma esperança: o peakoil [1]. Quando em 15 ou 30 anos o petróleo acabar, o sistema internacional do agronegócio e de outro comércio vai mudar. O modelo capitalista, exportador do agronegócio, não tem futuro.

IHU On-Line – E para uma real mudança do cenário que preveem para o planeta, como a identificação da origem da carne pelo consumidor pode ajudar?

Luc Vankrunkelsven – Comer menos carne e peixe é algo muito importante. Também peixe? Sim, os oceanos estão vazios e, nos últimos anos, aconteceu o surgimento da aquacultura. Estes peixes comem também ração (milho, farelo de soja, farelo de peixe). Por exemplo, o salmão da aquacultura na Noruega está barato no Carrefour da Bélgica, porque a ração deste salmão é composta por: 50% de soja do Brasil/Argentina (que ficam entre 10 mil até 12 mil quilômetros) e 50% de farinha de peixe das costas do Peru (15 mil quilômetros de distância). A consequência, portanto, é imensa.

Notas:
[1] A teoria do Pico do Petróleo (Peakoil) proclama o inevitável declínio e subsequente término da produção de petróleo em qualquer área geográfica em questão. De acordo com a teoria, seja em apenas um poço de petróleo ou no planeta inteiro, a taxa de produção tende a seguir uma curva normal. No início da curva (pré-pico), a produção aumenta com o acréscimo de infra-estrutura produtiva. Já na fase posterior (pós-pico), a produção diminui devido ao esgotamento gradual do recurso.

(Ecodebate, 15/08/2009) publicado pelo IHU On-line, 13/08/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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